24 de março de 2009

Notas etnográficas sobre a 25ª lavagem da Conceição: cortejo e ritual
Vanessa Barreto Vasconcelos Garcez[1


O dia 8 de dezembro é marcado pelo sincretismo religioso na cidade de Aracaju, a data é rememorada anualmente por diferentes rituais festivos espalhados em algumas regiões da capital sergipana. Este dia é dedicado no calendário litúrgico católico a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Aracaju; a santa representa bondade e pureza da Virgem Maria para os fiéis católicos. No sincretismo afro-católico Nossa Senhora da Conceição é sincretizada com o orixá Oxum. O orixá feminino Oxum é o símbolo da riqueza e da vaidade, representando também fertilidade e fecundidade para os adeptos das religiões afro-brasileiras.
Dentro das comemorações, cinco manifestações ritualísticas integram a programação da festa: a missa católica; o cortejo Afro; lavagem das escadarias da Catedral metropolitana; procissão católica; desfile do afoxé na Praia de Atalaia. A proposta deste texto é apresentar uma breve etnografia do cortejo afro e do ritual da lavagem das escadarias da Catedral Metropolitana de Aracaju por representantes de alguns terreiros de Sergipe.
A lavagem da Conceição completou 25 anos de existência no dia 08 de dezembro de 2007. A lavagem é precedida por um cortejo afro que se forma com esse objetivo. A concentração dos organizadores e integrantes de alguns terreiros de Sergipe ocorre na Colina do Santo Antônio, localizada no bairro que recebe o mesmo nome do santo. Toda uma preparação ritual acontece antes do cortejo, o Andor de Nossa Senhora da Conceição é ornamentado com flores brancas e amarelas, cores-símbolo do orixá homenageado; há a distribuição de jarras com flores e água de cheiro que serão utilizadas na lavagem das escadarias da catedral. Ao longo desses anos a Ialorixá Maria Angélica de Oliveira esteve à frente da organização deste evento.
A saída do cortejo é anunciada através de fogos aproximadamente às 10h25min da manhã, e percorre o seguinte roteiro: colina do bairro Santo Antônio; Rua João Ribeiro; Rua Simeão Sobral, Avenida Rio Branco e Ivo do Prado, passando pela Praça Fausto Cardoso e chegando ao destino final, que é a Praça Teófilo Dantas, local onde se encontra a Catedral Metropolitana de Aracaju. No início do cortejo são distribuídas bandeirinhas com a imagem de Oxum, agitadas com alegria pelos integrantes do cortejo. A representação visual do Orixá ganha visibilidade; a curiosidade e o medo que envolvem as divindades afro-brasileiras, são por algumas horas colocadas em suspensão reconhecendo-se neste contexto ritualístico seus significados religioso e estético ( Santos, 2006) . Durante todo o percurso outras pessoas isoladamente ou em grupos somam-se ao cortejo.
Quadrilhas Juninas: da dança de salão aos festejos de São JoãoPriscila Santos Silva[1]


A quadrilha junina é uma dança coletiva de origem inglesa, que surgiu por volta dos séculos XIII e XIV. O contato cultural entre a França e a Inglaterra, durante a guerra dos Cem Anos, fez a França adotar a dança, que, levada para os palácios, tornou-se nobre, vindo a espalhar-se por toda a Europa, integrando as festas da nobreza. A quadrilha, dançada em dois ou quatro pares, seguia uma coreografia desenvolvida no compasso de músicas alegres, em allegro ou allegretto (Tinhorão 1990)[2].
A música e a dança da quadrilha chegaram ao Brasil no século XIX, com a Corte Real Portuguesa. Ainda no final do século XIX, a dança de salão, perdendo os ares de nobreza, passa a ser cultivada pelo povo, em áreas livres, rurais e periferias urbanas. Com a popularização, espalha-se por todo o país, figurando principalmente nas festas juninas, e, por sofrer influências regionais, adquire muitas variantes. Em São Paulo, chamam-na Quadrilha Caipira, no Rio de Janeiro, Mana-Chica, na região central do Brasil, é Saruê . Em Sergipe, é conhecida como Quadrilha. (Tinhorão, 1990).
Ao longo dos anos, as quadrilhas sofreram alterações na formação, na dança e no figurino. A mudança é característica da dinâmica cultural, entendida como “processo de reorganização das representações sociais na prática social, representações estas que são simultaneamente condição e produto desta prática” (Durham, 2004)[3]. No início do século XX, as quadrilhas caracterizavam-se pela marcação de passos com termos afrancesados; o vestuário típico representava o povo da roça: as damas usavam vestidos longos, de chita, muito coloridos e cheios de bordados. Os cavaleiros vestiam camisas listradas ou de xadrez, chapéu, lenço no pescoço, calças com remendos e chinelos.
Casamento do tabaréu na Rua São JoãoPriscila Santos Silva[1]


O casamento caipira é um dos rituais festivos que integram as atividades do ciclo junino da Rua São João, desde a época da presidência de Mestre Calazans. Ele também está presente em várias atividades festivas da cidade, encenadas em outros arraiais, a exemplo do Arraial do Arranca Unha, organizado no Centro de Criatividade “João Alves Filho”, localizado no bairro Getúlio Vargas. O casamento caipira é tão importante nas comemorações aracajuanas, que integrou as festividades alusivas aos cem anos de Aracaju, noticiada pelo Sergipe Jornal em junho de 1955.
Embora a encenação do casamento junino receba denominações variadas – casamento do tabaréu, casamento do matuto, casamento da viúva e casamento da roça – ele possui unidade e remete sempre a uma forma tradicional de teatro popular, irreverente, irônico e satírico, encenado por um pequeno grupo de pessoas representando personagens fixos (como o noivo, a noiva, o padre ou o juiz) ou variáveis, dependentes do texto em que se inserem (como policiais ou pais da noiva). O que varia é o contexto cultural: o rapaz sendo obrigado a casar por ter “desonrado” a família, desvirginando a moça, ato que poderá resultar em gravidez; ou a viúva ou a solteirona suplicando um marido ao santo casamenteiro.
Na Rua São João, a encenação do casamento caipira geralmente ocorre na tarde do dia de São João, quando moradores de todas as idades do Santo Antônio e demais bairros da capital tomam conta da Rua São João com alegria e descontração. Os festeiros, que se paramentam para o evento ainda em casa, são ‘lampiões’, ‘cangaceiros’, ‘vaqueiros’, que, em seus cavalos ou carroças, concentram-se no Largo Calazans, antes de percorrerem as ruas da cidade na celebração de mais um ritual junino, o casamento caipira.
A rua fica repleta de carroças enfeitadas, em 2006, o Centro Social e Cultural São João de Deus alugou cerca de vinte carroças, outras e alguns cavalos foram alugados pelos próprios moradores do bairro. A essas, somaram-se as trazidas pelos próprios carroceiros vindos de outros bairros para participar da brincadeira. Os moradores da Rua São João participam do cortejo em carroças, cavalos, carros e até caminhão.
Durante o cortejo na Rua São João, o casal de noivos é acompanhado por um carro de som; passam pela Rua Muribeca, avançam pela Japaratuba, daí ganhando as ruas da cidade (planejadas no formato de um tabuleiro de xadrez). O formato em linhas retas das ruas de Aracaju cria quarteirões simétricos, inspirados no tabuleiro de xadrez, que proporciona aos festejos um espaço para a realização da festa e do jogo. O jogo do cortejo não possui nenhuma rainha, bispo ou torres, apenas o cavalo, o elemento mais numeroso da brincadeira. A vitória, por seu turno, não consiste em dar o xeque-mate, mas em encontrar os noivos, que conduzem seu cortejo no descontraído passeio pela cidade.
Depois de percorrer os bairros Santo Antônio, Industrial e o centro da cidade, o cortejo do casamento do matuto chega à Rua São João. Todo o texto é improvisado. A platéia também participa da festa. As crianças, sentadas na extremidade do palanque, fazem silêncio e acompanham toda a encenação. Os adultos, também prestando muita atenção, ficam ao redor do palco. Em nenhum momento é necessário pedir silêncio ao público (mais um personagem do casamento do matuto), que sabe muito bem o seu papel e, por isso, durante a encenação, porta-se como convidado da festa, e no momento em que o noivo recusa casar-se, o público entra em cena e diz: Vai ter que casar! Vai ter que casar!
A comunidade se reúne na Rua São João para viver a festa do cortejo e do casamento caipira, momento de especial alegria, de afirmação de identidade e de produção de vínculos sociais. A festa envolve a participação coletiva de um grupo, interrompe o tempo social e articula-se em torno de um objeto que canaliza todos os focos e produz uma identidade. (Guarinello, 2001[2]).
As festas populares criam momentos de inversão social, de oportunidade para reverter momentaneamente a ordem das coisas. A festa outorga ao indivíduo liberdade para romper com as normas sociais, proporcionando-lhe um espaço aberto à realização de fantasias, de liberdade para escolher o papel que deseja desempenhar. Não obstante a ampla capacidade conferida ao individuo de escolher seu papel ou inverter a sua fachada pessoal, a festa também traça fronteiras; ela não iguala a todos, mas, antes, une os diferentes. (Guarinello, 2001).



Notas:
[1] Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe.
[2] GUARINELLO, Norberto Luiz. Festa, trabalho e cotidiano. In: Cultura e sociabilidade na América portuguesa. Organizadores: István Jancsó e Íris Kantor. São Paulo: Edusp, 2001.
Festival de jegue de Itabi: cotidiano, festa e lazer
Beatriz Resende


A festa tem o poder de modificar a rotina de uma cidade, mais que isso ela reflete o que a sociedade pensa de si mesma. Esse sentido se aplica a pacata cidade de Itabi/SE, na qual o Festival do jegue, tida como sua principal festa, tem força suficiente para modificar a rotina dos habitantes do município, principalmente durante o mês de setembro no qual acontece a festa.
O jegue é um animal presente no cotidiano itabiense, ligado ao mundo do trabalho, convivendo este com a evolução da cidade, assim como foi em tantas outras cidades nordestinas. De acordo com o dicionário Houaiss o jumento é um mamífero perissodátilo pertencente à família dos eqüídeos. Como animal doméstico é usado para trabalhos diversos. No nordeste brasileiro é considerado símbolo de força e resistência.
Como o passar dos anos o animal foi perdendo espaço com a introdução da tecnologia no mundo rural, e aos poucos foi sendo substituído pelas motocicletas, por exemplo. O jegue perdeu seu valor no mercado e sua função social chegando a custar em alguns lugares, apenas um real, isso quando não são abandonados nas estradas ficando a própria sorte. Na década de 1970 a carne do animal passou a ser exportada para consumo em paises como Japão e Bélgica.
Eis que em julho de 1979, o Festival de jegue de Itabi teve sua primeira edição. Durante os três dias de festival, o animal presente no cotidiano itabiense, torna-se uma estrela, transforma-se em objeto focal, funcionando como pólo de agregação da população e símbolo de identidade local (Guarinello,2001).
O município Itabi teve sua emancipação política decretada em 25 de novembro de 1953 e hoje possui cerca de 5.000 habitantes. É uma cidade jovem com 54 anos de emancipação e quase trinta anos de Festival do jegue, cabe aqui observar que a festa tem mais da metade da idade da cidade. Sendo assim a identificação entre cidade e festa é extremamente pertinente. Ao ponto da cidade ser reconhecida em todo estado e até mesmo fora dele como “Terra do jegue”.
Festa das Cabacinhas
Eliseu Ramos

A festa da cabacinha acontece tradicionalmente na primeira semana do mês de janeiro, em varias cidades do Estado de Sergipe. Uma das mais tradicionais realiza-se em Japaratuba durante as Festas de Reis e São Benedito. A cabacinha faz parte da cultura local e se transformou em um ícone da cidade. Durante os dias de festa todos estão sujeitos a ser atingidos por cabacinhas ao transitar pelas suas ruas, criando um clima de brincadeira entre todos. A sincronia entre as dimensões profana e sagrada é uma das principais marcas da festa.
Esse período festivo é também uma boa alternativa de renda extra para população local, muitos aproveitam para produzir as cabacinhas e comercializá-las. O preparo é simples: a parafina derretida é colocada numa fôrma de cabaça e enchida com água, depois é lacrada também com parafina, e está pronta para ser lançada em alguém, o custo médio fica entre 0,05$ e 0,030$. O local culminante da festa é na Praça da Igreja Matriz da Nossa Senhora da Saúde, onde os brincantes se reúnem em grupos para atirar uns aos outros as cabacinhas.
A festa essa ano contou ainda com a presença de varias atrações musicais que se apresentaram em um palco montado na praça, além de arrastões populares regidos por bandinhas e mini-trios pelas ruas da cidade, dando status de essa ter sido a maior festa das cabacinhas dos últimos anos.